Estúdio de

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Me leva, Brasil!

Me leva, Brasil!

A importância de ser mais Kubrusly para as marcas

POR

João Raia

·

8 min

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Um dos podcasts que a gente mais gosta aqui na Compadre é o Rádio Novelo Apresenta. Religiosamente, toda semana, estamos prontos pra escutar as histórias comuns e cotidianas (e às vezes, extraordinárias) que permeiam nosso país e que reforçam nosso jeito de ser. Mas, pra além das histórias incríveis e do jeito aparentemente sem esforço de contar uma boa história (que também deveria ser estudado por quem adora storytelling), uma outra coisa nos chama atenção: como, no início, eles começam a contar uma história que, aparentemente não tem ligação com as duas que vão ser contadas, mas no fim, tem tudo a ver.  É um jeito de costurar o improviso, o aleatório, o inesperado e ainda assim sair com um argumento forte, com sentido. E a gente sempre fica esperando o que vai vir dessa vez. Afinal de contas, é um baita exercício de referência, criatividade e construção.

Isso virou nossa inspiração: por que não começar com algo que nos faz lembrar do que decidimos falar e que vai conectar tudo? Esperamos que você também goste desse "novo" formato o tanto quanto a gente gostou de fazer (com a total consciência de que estamos anos luz atrás da Branca Vianna e sua equipe na Novelo, né?). Ah, e que leia até o fim, porque, no fim das contas, essa ainda continua sendo uma news de branding.

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No século XIX, em meio à efervescência de uma Paris que se modernizava e crescia, surgiu um tipo de andarilho urbano pouco convencional: o flâneur. O flâneur era quem fazia a flânerie, ou seja, aquele que passeava sem pressa pela cidade, sem destino. Não seguia mapa ou roteiro prévio e era movido pela curiosidade e pela vontade de ver: o cotidiano, os silêncios, os gestos, os rastros invisíveis da vida urbana. Como diria Zeca Pagodinho, literalmente "deixando a vida levar".

Se a gente pensar bem, o flâneur era, ao mesmo tempo, parte da cidade e de fora dela. Ele passeava sem compromisso, mas com os sentidos ligados, pronto pra capturar os sinais da rua, as contradições da modernidade, aquele cotidiano que ninguém repara. Claro, não sejamos ingênuos - ele era constantemente visto como um "vagabundo aristocrata" (afinal de contas, quem tem tempo pra ficar andando a esmo?). Mas também tinha algo de interessante ali: ele era alguém cujo objetivo era "capturar" as belezas da vida, de explorar o banal pra fazer sentido daqueles tempos malucos.

Essa figura do flâneur sempre nos chamou atenção - não somente por ser alguém que repara no que quase todo mundo já tomou como normal e cotidiano, mas por ser alguém que vive, pensa e sente o seu lugar de uma forma diferente. No fim, o flâneur é menos sobre Paris e mais sobre um modo de estar no mundo - que serve bem pro que a gente faz aqui na Compadre.

Essa imagem tem rondado por aqui nos últimos dias. Talvez porque, no fundo, a gente anda pouco (como estrategistas, como mercado mesmo). Anda pouco com os pés. Anda pouco com o olhar curioso. Anda pouco com o corpo presente.

E se você trabalha com marcas, isso é um baita problema.

Tá, é verdade que a gente tá sempre lendo pesquisas, estudando tendência, construindo personas (quando sobra tempo, né?). Mas quem trabalha com branding, no Brasil, precisa mais do que isso. Precisa andar. Precisa se misturar. Precisa perder o roteiro pra entender esse país tão contraditório e complexo. Precisa de uma boa dose de Kubrusly.

Se você viveu nos anos 90, com certeza deve lembrar do nosso Paulo Vieira original da tevê, o nosso próprio “flâneur brasileiro”: Maurício Kubrusly. Ele viajava este país de ponta a ponta com o quadro Me Leva Brasil, no Fantástico, percorrendo quilômetros e quilômetros de chão, buscando as histórias que não cabem nas manchetes, trazendo para a TV os corpos, os sotaques, os cheiros, os causos de um Brasil que resiste à generalização. 

Kubrusly não era necessariamente turista. Ele não chegava com um checklist de “pontos turísticos culturais”. Ele chegava de peito aberto, com olhos prontos pra escutar, pra ver o que a câmera nem sempre alcançava: o Brasil das quebradas, dos interiores, dos cantos que cabiam no que se era contado dos brasileiros (e muito menos do que se via em planilhas de Excel). Não é sobre chegar num lugar e pensar “como eu posso entrar aqui”. É o contrário. É perguntar: “como esse lugar funciona?” — e só depois pensar se há espaço pra você plantar alguma coisa. 

Foi isso que o Maurício Kubrusly fazia. É isso que o Paulo Vieira tá fazendo. Foi isso que fotógrafos como Thomas Farkas e artistas como Luiz Braga fizeram: olhar o Brasil com o pé na terra e o ouvido atento. Deixar as histórias ganharem protagonismo. Sair do centro do palco e virar coadjuvante por um tempo, pra escutar melhor quem sempre ficou de fora da narrativa.

E sabe o que é mais doido? Isso não deveria ser uma exceção. Mas é.

A estrutura do nosso mercado é feita pra cortar esse tipo de movimento. É feita pra entregar rápido, sem muito tempo pra mergulho. O trabalho estratégico vira produção de linha de montagem. A rotina não permite errar o caminho, entrar numa rua diferente, parar pra um café num lugar desconhecido. E é por isso que a gente vê tanto projeto genérico, tanto rebranding que parece clone, tanto posicionamento que diz tudo sem dizer nada.

E é aí que a gente bate de frente com uma pergunta desconfortável: quantas marcas, quantas estratégias, quantas narrativas, nascem de quem nunca caminhou de verdade? De quem acha que “já sabe” o que é o Brasil, mas não saiu da bolha para sentir? Quantas campanhas falam mais sobre o repertório de quem criou do que sobre a realidade de quem vai receber? Tem gente que prefere acreditar que marca é só performance. Mas marca, no Brasil, é convivência.

Então, A partir de 2026, a Compadre vai viver o Brasil de verdade. Todo mês, vamos passar uma semana vivendo e trabalhando em uma cidade diferente desse país enorme. Uma por mês. Do jeito que dá, como dá, mas sempre com disposição pra escutar.

Queremos viver o Brasil como quem aprende uma língua na pele ouvindo sotaques, saboreando comida regional, absorvendo os cheiros da rua, percebendo as micro-histórias, os rituais silenciosos, os ruídos do cotidiano que fazem desse país um mosaico complexo e vibrante. Porque o Brasil que aparece nos dados nem sempre é o mesmo que aparece na vida real. E a única maneira de cruzar esse abismo é botando o pé na rua.

Aliás, esse abismo fica evidenciado em outra coisa que nos chamou a atenção essa semana. Na pesquisa Brasil no Espelho, o Felipe Nunes chamou atenção pro “gap entre o que sabemos e o que achamos que sabemos”. Segundo a Quest, o brasileiro médio acredita saber mais do que de fato sabe. E pior: mesmo errando nas respostas objetivas, ele acha que acertou. Achar que conhece o Brasil é diferente de realmente conhecer. E isso vale também pra quem trabalha com comunicação, estratégia e branding.

Por isso, flanar é urgente. Porque flanar é o contrário do algoritmo. É sair da rota. É ouvir o que ninguém te mandou ouvir. É dar de cara com o Brasil que não aparece nos slides, mas que dita o jogo.

Não precisa ser o Paulo Vieira. Nem o Maurício Kubrusly. Nem Bruno De Luca. Mas talvez precise, no mínimo, ser mais flâneur. Estar mais aberto ao desvio. Mais atento às pessoas. Mais interessado em perceber os signos da cidade, o nome do tio do bar, o apelido do bebum, a história da doceira, a fofoca que circula no WhatsApp da comunidade. Porque é aí que mora a estética, o afeto, a crença e a ginga do Brasil. E, sem isso, marca nenhuma se sustenta.

E se você trabalha com marcas… talvez também esteja na hora de levantar da cadeira e andar um pouco.