Estúdio de

brasilidade

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Tá todo mundo querendo ser brasileiro?

Tá todo mundo querendo ser brasileiro?

O perigo da brasilidade se tornar estética vazia

POR

João Raia

·

6 min

Tem uma pergunta que eu não paro de pensar nos últimos dias: todo mundo quer ser brasileiro?

Porque se a gente olhar em volta, parece que sim. Nos últimos meses, parece que o Brasil voltou a ocupar o centro do palco global, e não apenas como cenário exótico ou pano de fundo tropical, mas como desejo. De repente, é como se ser brasileiro tivesse virado um novo símbolo de autenticidade, intensidade, até mesmo de sofisticação. Mas será que é isso mesmo que está acontecendo? E, mais importante, será que dá pra querer ser brasileiro sem entender o que isso realmente significa?


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No samba, no rolê e cantando em português: ela é brasileira!

Dua Lipa virou Eduarda Felipa, se jogou no pagode, no samba, nos bares brasileiros e cantou Magalenha com Caetano e Carlinhos Brown. Viveu a experiência brasileira até o fim que até ganhou um "CPF" simbólico das mãos de Luciano Huck. O público se divide entre quem aplaude o gesto e quem estranha as referências, como se Caetano e Brown fossem escolhas inesperadas, uma ousadia quase intelectualizada demais para o repertório pop.

Na COP30, o premiê da Alemanha ironiza Belém e é rebatido por uma onda de orgulho nacional que, por um instante, parece mais forte do que o cinismo habitual. Havaianas virou sinônimo de luxo acessível no mundo da moda (segundo a The Lyst Index Q3), levando o nosso jeitinho brasileiro casual e informal pra todo mundo. Wagner Moura e “O Agente Secreto” estão na rota do Oscar, começando a mobilizar, mais uma vez, todo mundo na torcida e na expectativa pra mais estatuetas pro Brasil. Liniker, Jota.Pê e João Gomes levaram Grammy em álbuns que exalam e exaltam nosso jeito único.  De um jeito ou de outro, o mundo parece estar olhando pra cá. Mas o que exatamente estão vendo?

É tentador acreditar que estamos vivendo uma virada. Que a brasilidade, por tanto tempo ignorada, subestimada ou marginalizada, finalmente virou tendência. Mas o que inquieta não é o reconhecimento: é o risco da simplificação. Porque quando o Brasil vira moda, ele também corre o risco de virar superfície. E não há nada mais perigoso para um país como o nosso do que ser reduzido a um estilo.

No campo do branding, isso se torna ainda mais evidente. De um lado, vemos marcas internacionais tentando capturar o espírito brasileiro, seja numa tipografia inspirada em feiras livres, num vídeo com filtro de sol poente, ou em campanhas que tentam emular a tal “alegria do povo”. De outro, marcas brasileiras ainda gastam fortunas tentando parecer importadas, como se a sofisticação estivesse sempre em outro lugar. É um paradoxo antigo, mas que continua atual: enquanto o mundo tenta parecer brasileiro, a gente ainda tenta parecer qualquer outra coisa.

Segundo o estudo O Brasil que o Brasil quer ser, 71% da população sente orgulho de quem é, mas só 28% acreditam que o Brasil é valorizado lá fora. Essa dissonância nos ajuda a entender por que ainda temos dificuldade de tratar nossa cultura como ativo estratégico. A autoestima existe, mas ela não se converte, necessariamente, em confiança simbólica. A brasilidade, nesse contexto, vira um recurso tímido: aparece em momentos pontuais, mas raramente é a base de uma plataforma robusta de marca.


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É aí que entra a pergunta com mais força: o que significa, afinal, querer ser brasileiro?

Se for um desejo genuíno, ele exige disposição para escuta, imersão, relação. Ser brasileiro não é uma performance de fim de semana, nem um código visual fácil de replicar. É se abrir para um país que nunca foi um só, que é feito de multiplicidade, contradição, improviso e afeto. Que tem uma música que emociona por caminhos não lineares. Que inventa soluções na marra. Que celebra o excesso e a gambiarra, mas também carrega cicatrizes fundas. Que se comunica por silêncios, gírias, ritmos, gestos e ausências. Que transforma o banal em linguagem. O invisível em símbolo.

Por isso, quando uma marca resolve adotar a brasilidade como parte de sua identidade, ela precisa entender que não se trata de um acessório. Não é uma textura, uma cor quente, uma fonte orgânica. É um sistema vivo, que pede escuta e, principalmente, responsabilidade.

Brasilidade não é só o que você mostra, mas de onde você parte. É feita de contexto, de signos enraizados, de referências não óbvias, de contradições. O Brasil não é uma unidade: é um multiverso. E cada gesto de afeto estrangeiro, como o da Dua, só ganha potência porque há entrega real, porque ela não performou, ela viveu (e como viveu, hein?).

Celebrar a Dua Lipa é legal, claro. Afinal de contas, é mais gente se apaixonando pelo nosso jeito. Mas é aí também que mora um perigo: deixar que o mundo defina o que é ser brasileiro enquanto a gente desaprende. Enquanto a gente deixa nossos signos virarem só estética. Como se brasilidade fosse um produto de prateleira — e não uma construção viva, coletiva, simbólica e afetiva. Como se fosse um novo “american dream”. O problema é quando a gente acha que isso é só um sonho e não um lugar que a gente já ocupa, quando quer, tudo se limita a uma nova modinha passageira: "a nossa brasilidade é cool e descolada" e, portanto, todo mundo quer fazer parte da onda.

É aquela coisa da brasilidade de ocasião. Aquela que surge num show, numa coletiva, num evento global, mas que some com a mesma velocidade que apareceu. A comoção é grande e real, mas o que fica depois que o holofote apaga? Em contrapartida, tem quem nem tente se conectar — como foi o caso do show do Oasis em São Paulo, que proibiu camisas de futebol com exceção das da Inglaterra e do Manchester City. Não é sobre julgar, mas sobre entender que existem níveis muito diferentes de envolvimento. E que quando o gesto é só estética, a relação termina antes mesmo de começar.

Grande parte dos signos que hoje encantam os gringos (da batida do funk ao verde-amarelo saturado) são apenas a camada mais visível, e muitas vezes caricata, do que de fato nos constitui. São acessos fáceis a uma brasilidade estereotipada, que cabem no palco e no feed. Mas o Brasil real acontece em outras camadas: nas contradições do cotidiano, na força das microculturas, na complexidade dos territórios, na fé e na festa, na gambiarra e no cuidado. Reduzir tudo isso a uma estética é empobrecer o que temos de mais potente.


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O mais curioso é que muitas das nossas próprias marcas continuam ignorando esses signos e os símbolos que nos atravessam todos os dias. Ao invés de construir uma narrativa enraizada no Brasil real com suas tensões, seus afetos, seus códigos e contradições, muita marca por aqui ainda embarca na onda gringa de tratar a brasilidade como uma estética. Mas não dá pra fazer branding de verdade com o que não se vive. Não dá pra fingir ser brasileiro sem entender o que isso custa, o que isso carrega, o que isso representa.

Que as nossas marcas não caiam na armadilha do brazilian washing, nem na tentação do brazilcore. E isso é uma lição importantíssima para as nossas próprias marcas. A beleza da brasilidade está justamente naquilo que não se imita: naquilo que nasce do encontro entre história, lugar e linguagem. Não existe fórmula pra isso. Existe presença. Relação.

O desafio é outro: criar plataformas que nasçam daqui, respirem daqui e se expressem com a linguagem única que só o Brasil tem. Porque se o mundo quer ser brasileiro, a gente precisa primeiro querer ser, valorizar e parecer o Brasil que a gente realmente é. E, vamos combinar: o Brasil não é só Rio e São Paulo, né?